A costa sul do Rio Grande do Sul exerce sobre mim grande fascinação, em especial a isolada região situada na longa península de 250 Km que divide a Laguna dos Patos do Oceano Atlântico.
Em 1998 cruzei pela primeira vez esta restinga pela temível e nada saudosa Estrada do Inferno, um trecho da RST-101 que liga Capivari a São José do Norte, um verdadeiro inferno de lama, água e areia. Se por um lado demorei quase 3 dias para rodar 100 quilômetros em veículos 4x4, as paisagens de dunas, naufrágios, pássaros, restingas e faróis isolados deixou em mim sua marca indelével.
Ao longo dos anos tenho voltado para lá muitas vezes em busca de sossesso e imagens de natureza, em geral acompanhado por meu grupo de fotografia dentro do nosso projeto pessoal de registro dos faróis do Rio Grande do Sul.
Agora em outubro decidi revisitar o histórico Farol Capão da Marca, o mais antigo do Rio Grande do Sul, localizado à margem da Lagoa dos Patos, a sudoeste do Município de Tavares.
Este marco tem a forma de uma torre octogonal em armação de ferro importada da França, com lanterna e um cilindro central. Foi inaugurado em 1849 pelo próprio Imperador D. Pedro II (1840-1889) e está localizado a cerca de 13 km de Tavares, com acesso parte por estrada de areia e parte por trilha 4x4 pela beira da Lagoa do Patos.
Apesar da idade está em boas condições de manutenção, pintado de branco, ao lado de um pequeno capão de Pinus eliotis. O farol possui 14 m de altura e emite sinais de luz vermelha com alcance de 13 milhas náuticas (24 km) para dentro da lagoa.
O Farol Capão da Marca, 1849. Lagoa dos Patos. |
Pequeno visitante dentro da lanterna do farol... |
Em todas as vezes que lá estive foi possível subir ao topo do farol por uma escada interna em caracol pois a sua porta de acesso, em ferro maciço, costuma estar destrancada. Desde a sacada que circunda a lanterna se vislubra uma belíssima vista de 270 º da Lagoa dos Patos e de grandes extensões de praias de areia branca e água doce onde eventualmente pontilham sambaquis, testemunhos da pré-histórica presença humana na região.
O local é deserto, à exceção de alguns poucos pescadores locais. Surpreende até que tanto isolamento e facilidade de acesso ao seu interior não tenha dado oportunidade à costumeira depredação do patrimônio público quando se encontra desguarnecido como no caso deste célebre farol.
Farol Cristóvão Pereira |
Nesta visita ao secular Capão da Marca pernoitei em Tavares, município com cerca de 5 mil habitantes, onde toda a vida social circula em torno da praça central, sobre a única avenida da cidade. Aos finais da tarde de finais de semana e feriados uma pequena multidão - proporcional à densidade demográfica da cidade - costuma se espalhar pelos bares da única avenida, com absoluta preponderância dos representantes do sexo masculino.
Me hospedei com João Batista Cardoso, grande conhecedor da região, dono do simpático Hotel Parque da Lagoa, sem dúvida a parada obrigatória em Tavares e redondeza. João Batista, conhecido de outras passagens por Tavares em explorações pela rota dos faróis e na Lagoa do Peixe, é quem disserta sobre a importância histórica do Farol Capão da Marca:
"(...) O primeiro Farol a ser construído na costa brasileira foi o da Barra do Rio Grande de São Pedro do Sul, na capitania do Rio Grande, hoje estado do Rio Grande do Sul. Em 1820, o Farol foi erguido sobre uma velha torre existente no local e de propriedade do capitão Mor, não chegou a ser aceso, pois foi destruído por uma forte chuva de granizo, no mesmo ano de sua construção. No período em que o Farol não havia sido reconstituído era deslocada uma balsa, que todas as noites acendia um fogacho para guiar os navegantes. Em janeiro de 1852 foi inaugurada uma torre de ferro encomendada da Inglaterra, acompanhada de um bom aparelho de luz, a velha torre, a Atalaia, com mais de um século, continua erguida.
"(...) Os Faróis são obras importantes, imponentes e históricas. As regiões de Tavares e Mostardas possuem o privilégio de contar com uma série de Faróis históricos. Algumas dessas obras, há mais de um século brilham para iluminar o navegante. Na Laguna dos Patos um dos faróis mais interessantes, mais alto e mais antigo é o Farol Cristóvão Pereira, inaugurado em 1886, hoje um pouco desestruturado, mas com uma arquitetura digna de um castelo, outro é o Farol Capão da Marca que se reveste de interesse histórico, uma vez que foi o primeiro farol da então Província, inaugurado pelo próprio Imperador D. Pedro II (1840- 1889), construído de metal e pintado inteiramente de branco.
"Todos os Faróis têm sua data de fundação ou inauguração, mas cabe lembrar que foram inaugurados com torres provisórias, sendo algumas de ferro outras de madeira. Entre as de ferro pode-se citar: Farol Mostardas, Sarita, Conceição. E de madeira: o Farol Capão da Marca, Cristóvão Pereira. Os registros mais antigos de Faróis de madeira estão no Rio Grande do Sul.
"Em 1849, foram construídos quatro Faróis de madeira: Capão da Marca, Bujuru, Barba Negra e Estreito. Todos foram custeados pela Província até 1852, quando passaram a pertencer ao Ministério da Marinha. Em 1858, foi construída também em madeira, a torre do Farol Cristóvão Pereira.
"Quando se fala do Capão da Marca e Cristóvão Pereira há conflitos de datas, o que ocorre é o seguinte: o Farol Capão da Marca é o mais antigo na sua construção em torre de madeira, foi custeado pela Província, em 1846. Já o Farol Cristóvão Pereira foi construído em madeira em 1858, mas nesta época já era administrado pelo Ministério da Marinha.
"Já em relação às torres atuais, ocorre que o Farol Cristóvão Pereira foi inaugurado em 1886 e o Farol Capão da Marca em 1894, mas seja qual for o mais antigo, o importante é que estes monumentos continuam aí, sendo testemunho do tempo, em pleno funcionamento e ainda servindo de belos pontos turísticos."Também aproveitei a viagem a Tavares para voltar mais uma vez ao Parque Nacional da Lagoa do Peixe, parada imperdível para quem visita a região e abrigo de grandes concentrações de aves migratórias do Hemisfério Norte durante o verão e do Sul no inverno.
O tempo estava meio nublado, com nuvens e poucos momentos de sol, sem ajudar muito a tomada de fotografias, mas a Primavera fez a sua parte trazendo colorido à paisagem com grandes floradas nos pastos e nas dunas do parque.
A Primavera presente no Parque Nacional da Lagoa do Peixe |
Grupo de Flamingos na Trilha do Talhamar |
Biguá. Trilha do Talha-Mar. |
Detalhe do João-Grande saboreando uma refeição.... Beira da RST-01. |
Garça. Trilha do Talha-Mar |
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Corujinha ao final da tarde. Trilha das Figueiras. |
Se você pensa que na Lagoa do Peixe se avistam somente aves migratórias, está muito enganado! É possível deparar-se também com emas, tatus, tuco-tucos, lebres, graxains e cotias, além de uma grande variedade de avifauna nativa.
Ema em meio ao campo na Trilha das Figueiras |
Gavião nos acesso entre Mostardas e o mar |
O setor do Parque Nacional da Lagoa do Peixe que abrange a zona de dunas e o litoral atlântico é uma atração à parte. Em um infímo espaço de trânsição entre os campos e o ambiente lacustre o cenário muda completamente, a começar pelos seus habitantes.
É uma outra estética, uma outra medida de tempo, onde o verde dos campos e charcos é substituído pelas variações entre múltiplos tons da areia constantemente desenhada pelo vento. Trata-se de um espaço dinâmico, em constante mutação, onde a trilha nunca está no mesmo lugar e há que se ter olhos para descobrir a delicada beleza escondida nos pequenos detalhes.
Margaridas. Trilha das Dunas. |
Margaridas. Trilha as Dunas. |
O trecho costeiro do parque comporta também variadíssimo número de aves marinhas. É normal encontrar-se na praia animais de grande porte mortos, como golfinhos, tartarugas, lobos e leões-marinhos e até baleias, boa parte deles trazidos pelas grandes redes de pesca de arrastão - encontradas às centenas na região - ou sufocados pelo lixo que flutua no oceano.
Os ventos constantes trocam as dunas de lugar e soterram os pequenos abrigos dos pescadores locais. |
O trajeto total entre Porto Alegre e Tavares, via Capivari, incluindo trechos de asfalto, terra consolidada e trilhas somou 550 Km, ida e volta, fazendo valer a visita em qualquer época do ano. Veja abaixo as dicas do passeio.
FOTOGRAFIAS:
- As imagens foram captadas com uma câmera Canon EOS-1D Mk II e um conjunto de lentes zoom variando entre 28 e 300 mm da mesma marca. Todas as fotos são de autoria de João Paulo Lucena, sendo proibida a reprodução desautorizada.
SOBRE O FAROL CAPÃO DA MARCA:
- Localização Tavares, Rio Grande do Sul, Brasil
- Coordenadas 31° 18′ S 51° 9′ W
- Inauguração 1849
- Altura 14 m
- Altitude 19 m
- Alcance luminoso 13 milhas náuticas
- Características Luz: LFl W 10s
- № Nacional 4472/№ internacional G-0631.2/№ da NGA 18957/№ da ARLHS BRA-127
ONDE FICAR:
Mostardas. |
- Em Tavares recomendo o Hotel Parque da Lagoa.
- Em Mostardas a Pousada Pouso Alegre. Nesta pequena e folclórica cidadezinha de cultura açoriana há outras opções de hospedagem e é uma boa opção de pouso para que visitar a região.
- Em Tavares existem algumas poucas opções de pequenos bares, uma padaria, um café e uma pizzaria ao longo da única avenida.
Ed Mundo´s, em Mostardas |
- Em Mostardas a parada obrigatória é no Ed Mundo´s, onde 10 entre 10 expedições à região param para se reabastecer. Serve a la carte durante a semana e buffet aos domingos. Especialidade em peixes da região. Rua Bento Gonçalves (a do Posto Ipiranga), 906 Tel.(51) 3673-1969
POSTAGENS RELACIONADAS AQUI NO BLOG TERRA AUSTRALIS:
- 20/02/2011 - Náutica/Vela: De Rio Grande ao Bujurú
- 09/03/2010 - Fotografia/4x4: O Farol Cristóvão Pereira
SITES DE REFERÊNCIA:
- Bemtevi Brasil - do fotógrafo de natureza Renato Grimm
- Restinga do Litoral Sul do RGS - Palmares do Sul - Mostardas - Tavares
- Parque Nacional da Lagoa do Peixe
- Praticagem da Lagoa dos Patos - Monitoramento de Sinais
- O Farol Cristóvão Pereira
COMO CHEGAR:
Parque Nacional da Lagoa do Peixe - Mapa |