Farol Cristóvão Pereira na costa leste da Lagoa dos Patos/RS |
Um dos meus lugares preferidos para recarregar as baterias isolado de telefone e internet, interagir com a natureza e fotografar é o farol Cristóvão Pereira, à margem leste da Lagoa dos Patos/RS.
Sendo o segundo mais antigo farol do sul do Brasil (o primeiro é o Farol Capão da Marca, de 1849) e distante 25 Km do município açoriano de Mostardas, foi inaugurado em 1886 e permanece ativo até hoje, agora automatizado e desguarnecido (sem faroleiro).
Em meio a uma paisagem de rara beleza e onde se avistam muitas das aves migratórias que constituem o cartão postal do quase vizinho Parque Nacional da Lagoa do Peixe, o local só é acessível por veículos 4x4 ou embarcações pesqueiras e de recreio que a ele chegam via Lagoa dos Patos.
Nas minhas tantas visitas ao farol na última década, em diferentes épocas do ano, já tive oportunidade de encontrar emas, capivaras, lebres, tatus e aves como a ema, garça, joão-grande, quero-quero, joão-de-barro, coruja, gavião, andorinha, cisne-de-pescoço preto e até flamingos.
Foto Ana Karina Belegantt |
Foto Ana Karina Belegantt |
Foto Ana Karina Belegantt |
As águas ali rasas da Lagoa dos Patos são transparentes e piscosas, servindo de berçário para uma variedade de peixes, camarões e moluscos, que por sua vez atraem os siris da casca azulada que neles encontram sua principal fonte de alimentação.
A dificuldade de acesso ao local garante um espaço de calma e isolamento, que propicia a reflexão, o descanso, a contemplação da natureza e o usufruto de alguns valores da vida simples que o turbilhão urbano muito rápido nos faz esquecer da existência.
A simplicidade de um final de semana longe das atribulações da vida urbana, onde o menos é verdadeiramente o mais. |
Há tempos tenho a certeza de que o prazer de estar ao pé de uma fogueira, sob um céu de estrelas e dormir em meio ao silêncio de um bosque supera em muito os confortos civilizados do mais luxuoso hotel cinco estrelas.
Todavia, não esqueço: tudo isto só tem valor quando compartilhado com uma boa companhia, de amigos ou da pessoa amada, quando então este prazer será por muitas vezes multiplicado.
Pescadores são as raras presenças humanas no Rincão do Farol. Cercado por acres e acres de florestamento de pinus, charcos, campos, lamaçais e dunas, este inóspito entorno torna deserta uma extensão de muitos quilômetros de praias de areias brancas banhadas pelas cristalinas águas da Lagoa dos Patos.
Desde que o vi este farol pela primeira vez passei a me interessar pela história da região, buscando literatura a respeito e, principalmente, os testemunhos e imagens disponibilizados no Popa.Com, o site náutico conduzido com maestria pelo amigo Danilo Chagas Ribeiro.
Dali me permiti reproduzir algumas das fotografias históricas que seguem neste post e que em mais nenhum outro lugar poderiam ser encontradas.
O farol foi construído em alvenaria, em forma de planta quadrada e se eleva a uma altura de trinta metros. O seu lampejo é de coloração branca com uma freqüência de dez segundos, plano focal de 30 metros (98 ft) e alcance de treze milhas náuticas.
Atualmente são estes os seus dados oficiais:
Localização: Mostardas/RS
Coordenadas: 31 03,72S / 51 09,89W
Inauguração: 1887
Altura: 28 m
Altitude: 30 mAlcance: 13 milhas náuticas
Lampejo: Branco a cada 10 segundos
Nº nacional: 4480
Nº internacional: G-0631-4
Nº da NGA: 18946.9
Nº da ARLHS: BRA-131
Consta que o primeiro farol consistiria de uma simples torre de madeira encimada por um lampião. Em 1861, foi inaugurada a atual torre de alvenaria de 28 metros e equipada com um aparelho de luz catóptrico de luz fixa, com 12 milhas de alcance, substituído em 1904 por um dióptrico de 5ª ordem BBT, de acordo com as informações do site Faróis Brasileiros.
Uma curiosidade é que o antigo Farol do Bujurú (20 metros) foi construído junto com os faróis de Itapuã, Cristóvão Pereira e Ponta Alegre (este na Lagoa Mirim). O Dr. Hugo Altmayer, pai do Comandante Manotaço, fotografou o Farol do Bujuru em meados da década de 50, pouco antes do seu desabamento. O também histórico farol hoje não passa de uma ilhota a cerca 100 m da praia (vide Popa.Com).
Nos dias atuais o Farol Cristóvão Pereira foi automatizado e, em um verdadeiro atentado ao patrimônio e à memória histórica que somente os labirínticos meandros da burocracia estatal podem tentar explicar, em 1992 a Marinha, responsável pela manutenção dos faróis brasileiros, demoliu as dependências domésticas destinados ao faroleiro, ao mesmo tempo em que as portas e janelas da construção foram seladas com tijolos para evitar visitantes e depredações.
A partir daí algumas trabalhos de manutenção e contenção da erosão foram feitos, inclusive de forma voluntária por eventuais navegadores visitantes do farol.
Por curiosidade vê-se que tanto o Farol Cristóvão Pereira quanto o caído Bujurú são muito parecidos em estilo construtivo com o antigo Farol Atalaia, de São José do Norte,o primeiro construído no sul do país no já longínquo ano de 1820, utilizando-se cal feito de conchas oriundas de sambaquis.
A sua iluminação era feita por uma fogueira acessa no topo e ele ainda está de pé, próximo ao farol que o substituiu em 1896. Restos da estrutura interna ainda são visíveis e, como é praxe com estes valiosos monumentos históricos, encontra-se em péssimo estado de conservação.
O avanço das águas da lagoa sobre o farol é impressionante e a cada visita que faço são visíveis os estragos na estrutura de proteção deste imponente marco que, a continuar assim, não tardará em ruir com um enorme prejuízo à memória náutica da região e ao patrimônio histórico nacional.
De qualquer forma fica este registro de um dos mais aprazíveis locais da nossa Costa Doce, como são também chamadas as praias da Lagoa dos Patos.
Polêmica Histórica - Carta mudaria marco fundador do Estado - Artigo Jornal Zero Hora 20/10/2011
Segundo Carlos Altmayer Gonçalves (o Comandante Manotaço, do Clube Veleiros do Sul - Porto Alegre) em registro enviado ao Popa.Com, o Farol Cristóvão Pereira foi construído na mesma época que o da Ponta Alegre, na Lagoa Mirim, e Bujuru, mais ao sul na Lagoa dos Patos, sendo 1858 o ano de início das suas obras. Pesquisador da história da navegação no Rio Guaíba e na Lagoa dos Patos, o Comandante Manotaço encontrou também o seguinte registro da edificação deste monumento histórico:
Por muitas décadas o farol abrigou um faroleiro e sua família, isolados em meio às solitárias paragens da costa leste da Lagoa dos Patos conforme registram algumas belas imagens das décadas de 1940 e 1950 (Excursão do Umuarama - Diário de bordo dos anos 40. Texto: Jorge Gross, Transcrição e comentários: Carlos Altmayer Gonçalves "Manotaço". Originalmente publicado na Revista Yachting Brasileiro nº 22, Agosto – 1946. Fotografia reproduzida do site www.popa.com.br)
"....escavou-se o terreno à uma profundidade a encontrar bastante água, estacou-se com 84 moirôes de lay toda a superfície, sobre os quaes engradou-se com vigas de ley na distância de tres palmos de uma a outra, e depois de incavilhadas encheu-se os entrevallos de pedra secca bem calcada: sobre este engradamento levantou-se a sapata de pedra e cal até 10 palmos, e sobre esta levantarão se as paredes da torre e as das meios águas seguindo sempre com a planta em vista. Acha-se presente esta obra com os arcos fechados do 2º pavimento e a receber o respectivo madeiramento, e a 45 palmos de altura acima do terreno...."
(Correspondência do Intendente do Estado para o Vice-Rei no Rio de Janeiro, no seu relatório de atividades de 9/março/1859; 1 palmo = 21cm)
O nome homenageia uma figura de grande importância histórica no Rio Grande do Sul, antigo proprietário da sesmaria onde foi contruído o farol. Cristóvão Pereira de Abreu foi um dos responsáveis, dentre tantos outros fatos relevantes, pela ligação terrestre entre o sul do Brasil e a cidade paulista de Sorocaba que veio a se tornar importantíssima rota dos tropeiros. Foi também um dos responsáveis pela fundação de Rio Grande e Porto Alegre.
Também em uma sesmaria de sua propriedade e um pouco mais ao sul do Farol Cristóvão Pereira, foi construído em 1849 o Farol Capão da Marca, um dos mais importantes sinalizadores da Lagoa dos Patos.
Por muitas décadas o farol abrigou um faroleiro e sua família, isolados em meio às solitárias paragens da costa leste da Lagoa dos Patos conforme registram algumas belas imagens das décadas de 1940 e 1950 (Excursão do Umuarama - Diário de bordo dos anos 40. Texto: Jorge Gross, Transcrição e comentários: Carlos Altmayer Gonçalves "Manotaço". Originalmente publicado na Revista Yachting Brasileiro nº 22, Agosto – 1946. Fotografia reproduzida do site www.popa.com.br)
Fotografias enviadas pelo Comandante Emílio Opitz, de Tapes, para o Popa.Com
Fonte: Revista Digital Hermomt |
O que resta hoje, em meio à água, do outrora sólido e imponente Farol do Bujurú. Será este o mesmo f uturo do Farol Cristóvão Pereira? |
(Mapa replicado do Popa.Com)
A partir daí algumas trabalhos de manutenção e contenção da erosão foram feitos, inclusive de forma voluntária por eventuais navegadores visitantes do farol.
(Trabalhos de manutenção do farol efetuados pela Marinha Brasileira em Maio de 2006. Fonte: Popa.Com)
vista a partir do topo do Cristóvão Pereira durante os trabalhos de manutenção do farol pela Marinha Brasileira. Maio de 2006. Fonte: Popa.Com)
Um grupo de velejadores consertando o farol com a reconexão da placa solar durante uma visita em 2004. Fonte: Popa.Com |
Em janeiro de 2006 encontrei o Farol aberto na base, com uma abertura quebrada na base e ninguém ou qualquer material de manutenção presente, o que me fez afastar a possibilidade de que estivesse em obras de manutenção. Mais provável que fosse ação de vândalos como demonstram a seguir as últimas imagens que fiz do seu interior:
Janeiro de 2006. Ação de vândalos? |
No piso o que sobrou da estrutura interna e escadarias de madeira, assim como o vão da antiga porta principal, testemunho da espessura e solidez das paredes do velho farol. |
Sob a laje de concreto que isolou os andares superiores da estrutura ainda se vêem o que restou estrutura de madeira original que formavam os pisos e as escadarias do Farol. |
Por curiosidade vê-se que tanto o Farol Cristóvão Pereira quanto o caído Bujurú são muito parecidos em estilo construtivo com o antigo Farol Atalaia, de São José do Norte,o primeiro construído no sul do país no já longínquo ano de 1820, utilizando-se cal feito de conchas oriundas de sambaquis.
A sua iluminação era feita por uma fogueira acessa no topo e ele ainda está de pé, próximo ao farol que o substituiu em 1896. Restos da estrutura interna ainda são visíveis e, como é praxe com estes valiosos monumentos históricos, encontra-se em péssimo estado de conservação.
Em São José do Norte o antigo Farol Atalaia, de 1820, substituído pelo "novo", inaugurado em 1896. |
O avanço das águas da lagoa sobre o farol é impressionante e a cada visita que faço são visíveis os estragos na estrutura de proteção deste imponente marco que, a continuar assim, não tardará em ruir com um enorme prejuízo à memória náutica da região e ao patrimônio histórico nacional.
Esta é a conclusão óbvia quando comparamos as antigas imagens onde se vê a torre em meio a dunas e figueiras com o seu estado atual. Em 2004 foi construído um dique de contenção pela Marinha, mas de duvidosa eficiência pois não tem sido capaz de protegê-lo da erosão das ondas e tempestades.
As imagens que captei do Farol neste verão de 2010 são reveladoras, mostrando o monumento já ilhado pelas águas, num prenúncio de repetição do que aconteceu com o seu já tombado co-irmão, o Farol de Bojurú.
Foto de Geraldo Knippling em 23-12-1998, enviada pelo Comandante Manotaço ao Popa.Com |
O contínuo assoreamento da margem leste da Lagoa dos Patos dificulta enormemente o trânsito pela região, o que em certos pontos só é possível à pé ou em veículos 4x4.
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EM TEMPO: Cristóvão Pereira de Abreu foi coronel das forças portuguesas nascido em 1680. No início do século XVI esteve na Colônia do Sacramento e por mais de 50 anos cruzou o Rio Grande do Sul levando tropas de gado, mulas e cavalos para Sorocaba, também prestando serviços ao Reino de Portugal. Alguns historiadores entendem que teria sido um dos pioneiros na povoação do Rio Grande do Sul. Foi o primeiro homem a atravessar, pelo interior, o território entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, inaugurando o ciclo comercial e o movimento tropeiro na região sulina. Requereu e ganhou uma sesmaria na área que ficou conhecida como Rincão do Cristóvão Pereira, onde estabeleceu estância de criação de gado apesar de nunca a ter habitado.
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EQUIPAMENTO: Desta vez eu estava preguiçoso e não quis levar a costumeira tralha fotográfica. As imagens sem indicação de fonte são de minha autoria e, dentro do espírito da simplicidade que norteou o final de semana, utilizei somente a valorosa Canon G9 e um tripé. Afinal, às vezes, a filosofia minimalista do less is more vale também para a fotografia ...
DICA DE VIAGEM: Em Mostardas/RS a boa é o Restaurante Ed Mundo´s, atendido pelo proprietário Edmundo Luz, aberto das 11h00 às 15h30 e à noite das 19h00 até o último cliente sair... Serve buffet e a la carte, especializado em frutos do mar e cordeiro. Fica na Rua Bento Gonçalves, 906. Preços bons, comida honesta e ambiente acolhedor. Informações nos fones (51)3673-1969 e (51)9861-5554.
POSTAGENS RELACIONADAS AQUI NO BLOG TERRA AUSTRALIS:
- 20/02/2011 - Náutica/Vela: De Rio Grande ao Bujurú
- 31/10/2012 - Do Farol Capão da Marca à Lagoa do Peixe
OUTRAS FONTES:
- 20/02/2011 - Náutica/Vela: De Rio Grande ao Bujurú
- 31/10/2012 - Do Farol Capão da Marca à Lagoa do Peixe
OUTRAS FONTES:
Popa.Com - o maior site náutico do Brasil
Do Farol Capão da Marca à Lagoa do Peixe - postagem deste blog
Efemérides HidrográficasDo Farol Capão da Marca à Lagoa do Peixe - postagem deste blog
Polêmica Histórica - Carta mudaria marco fundador do Estado - Artigo Jornal Zero Hora 20/10/2011
Parabéns, somente hoje pude ler todo o relato que, por sinal, é bastante interessante. Chamou-me a atenção ainda, a narrativa sobre o avanço contínuo das águas, já deixando a edificação ilhada, muito preocupante isso que, infelizmente, é um problema global. Mais uma vez, meus parabéns!
ResponderExcluirGrande abraço!
Alexandre
Alexandre, muito obrigado pelos seus comentários. Não sei quanto tempo ainda durará este farol em pé... Abraço!
ExcluirOlá!
ResponderExcluirEstive a poucos dias nas ruínas do farol do Bojuru e agora estou fazendo um documentário sobre o mesmo.
Estarei indo a Pelotas pesquisar no acervo do Diário Popular notícias sobre a queda do farol.
No entando, toda a informação que tenho é esta que vc pos em seu blog, que ele ruiu em meados da década de 50. Teria algum contato que poderia nos aproximar melhor esta data, quem sabe ano e mês? Se puder me ajudar, minha gratidão!
Prezado Hermomt, para dados sobre o Farol do Bojuru pesquise por palavra-chave no site www.popa.com.br, a melhor fonte de informações náuticas do sul do Brasil. Contate Danilo pelo email info@popa.com.br e ele lhe passará os nomes daqueles que com certeza poderão ajudar. Todas as informações sobre o farol foram retiradas do site referido. Eu gostaria muito de ver o resultado da suas pesquisa quando estiver concluída. Boa sorte!
ResponderExcluirOlá! Nossas pesquisas continuam e agora lançamos uma revista on line:
ResponderExcluirhttp://issuu.com/hermomt/docs/hermomt?mode=window&backgroundColor=%23222222
na reportagem do Farol Cristóvão Pereira, fiz citação ao seu blog.
Um grande abraço.
OK, citando a fonte, use e abuse das informações! Parabéns pela publicação. Me avise das próximas edições. Vou divulgar! Abraço!
ExcluirMuito legal! Fiquei muito feliz em ver o Farol Cristovão Pereira! Eu estive nesse lugar lindo há 14 anos atrás... Foi ótimo rever o local através das suas fotos!
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