Cânion do Itaimbezinho - Parque Nacional dos Aparados da Serra
Recebi ontem a notícia por amigos da região quanto à ocorrência de um acidente fatal na Trilha do Cotovelo, junto ao Cânion do Itaimbezinho, no Parque Nacional de Aparados da Serra, localizado nos municípios de Cambará do Sul/RS e Praia Grande/SC.
Região do Parque Nacional da Serra Geral
Cambará do Sul/RS e Praia Grande/SC
Segundo as informações, ainda predominantemente verbais, Márcia da Silva Magnus, 23, procedente de Canoas/RS e com familiares em Praia Grande/SC, teria caído pela escarpa e dentro do Cânion Itaimbezinho durante o período de abertura do parque à visitação pública no último sábado.
O cânion pode atingir uma altura de cerca de 700 metros no local e esperei a confirmação do fato antes de postar a notícia no blog. Até o momento a notícia sequer apareceu na mídia falada e escrita.
A polícia civil e os bombeiros foram acionados para investigação e resgate do corpo e há indícios de que possa se tratar de suicídio, uma vez que um bilhete e pertences da jovem teriam sido encontrados junto à borda do cânion após a queda.
Um helicóptero do Corpo de Bombeiros de Florianópolis foi deslocado para auxiliar no resgate e, na sequência, deverão ser procedida perícia no documento encontrado e também exames clínicos para verificação de eventual uso de álcool ou drogas pela jovem.
Márcia Magnus
Foto Facebook
O Chefe do Parque Nacional de Aparados da Serra, Deonir Geolvane Zimmermann, informou hoje diretamente para este Blog que, diante das efetivas evidências de prática de suicídio sobre a qual não há responsabilidade da unidade, não haverá qualquer restrição à entrada de visitantes.
Embora seja sabido que a mídia não costuma divulgar notícias desta natureza, aguardemos maiores informações.
A época de Natal não é exatamente aquela em que se espera receber qualquer tipo de notícia tristes e, muito menos, transformar um encontro de pai e filho junto à natureza em uma verdadeira tragédia pessoal.
Pois foi neste final de semana natalino que, enquanto tantos festejavam, acompanhei à distância as operações de busca e resgate de um adolescente perdido no Cânion do Monte Negro, no Município de São José dos Ausentes/RS.
Sidharta Arderius, 16, foi passar o final de semana acampando com seu pai e um tio nos Aparados da Serra, junto ao Cânion do Monte Negro (1.403 m), ponto culminante do território gaúcho e local turístico de grande beleza cênica. No domingo, dia 23/12 o jovem desapareceu e, depois de buscas infrutíferas, seu pai e tio buscaram ajuda.
Equipes de busca formadas por bombeiros de Vacaria e montanhistas voluntários terminaram por encontrar o jovem sem vida a cerca de 100 metros abaixo de um dos penhascos do local. Cogita-se que Sidharta tenha caído dentro do cânion durante um dos momentos de "viração", o perigoso nevoeiro típico da região.
Estive várias vezes no local ao longo dos anos, também acampando quando sequer era um ponte de visitação turística, outras vezes para apreciar e fotografar a belíssima paisagem, inclusive acompanhado dos meus filhos pequenos e sempre com cuidados redobrados.
Vista desde o cume do Monte Negro para o lado sudeste.
Foto João Paulo Lucena
Os despenhadeiros são perigosos não só em função da enorme altura, mas também porque o solo próximo pode esconder fendas camufladas pelo pasto e pela neblina. Esta última se forma em qualquer época do ano ou hora do dia conforme as variações climáticas, decorrendo do ar quente que sobe do litoral e se condensa quando encontra o ar frio do planalto.
Eu mesmo em certa ocasião me perdi na "viração" no Cânion Churriado e passei uma noite ao relento no coração do Parque Nacional da Serra Geral, perigo que jamais pode ser subestimado.
Abaixo reproduzo duas vistas desde o cume do Monte Negro em direção ao Nordeste, exatamente onde ocorreu o acidente deste final de semana. Na primeira fotografia a imagem do cânion em um dia límpido e na seguinte o fenômeno da "viração" se formando. A neblina sobe e cobre também o planalto, podendo acarretar completa perda da visibilidade.
Vista para o Cânion do Monte Negro em um dia límpido. Foto João Paulo Lucena
Vista para o Cânion do Monte Negro em um dia com formação de neblina ainda a média altitude. Foto João Paulo Lucena
O grupo de Sidharta vinha de Porto Alegre e teria chegado em São José dos Ausentes na sexta-feira. Após o final de semana iriam direto para o litoral passar o Natal com a família. Segundo a descrição dos familiares do jovem o mesmo teria se deslocado para os penhascos em um passeio solitário desde o acampamento localizado entre 300 e 500 metros da borda do cânion, sem avisar o tio e o pai. Assim que notaram o desaparecimento solicitaram auxílio em uma pousada próxima. A família já conhecia o local em possuía experiência na prática de montanhismo.
Jornal Zero Hora de 26/12/2012
Juntamento com o Corpo de Bombeiros participaram da operação de busca e resgate os voluntários Josemar Contesini, Levi Ferreira, Augusto Serralha e Estefano Pereira. Participei com Josemar e Estefano de uma das edições do Curso de Primeiros Socorros em Áreas Remotas da NOLS - veja o relato AQUI no blog - e, com certeza, os conhecimentos adquiridos lhe foram úteis no resgate, apesar do seu indesejado desfecho. Meus parabéns aos bombeiros e, muito especialmente por se tratarem de voluntários, à equipe de montanhistas que se dispôs a deixar suas famílias em pleno feriado de Natal a fim de auxiliar com equipamentos próprios e risco pessoal na busca de Sidharta. Se não é agradavel divulgar notícias desta natureza, resta o consolo e a justificativa de que sempre poderão auxiliar na prevenção de acidentes como este ocorrido nos Aparados da Serra e que, com uma grande probabilidade, decorreu unicamente de falta de precaução e descuido humano. Seguem abaixo a notícia publicada no Jornal Zero Hora, de Porto Alegre, algumas imagens das operações de resgate e registros de acidentes anteriores ocorridos na mesma região.
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Jornal Zero Hora - 26 de dezembro de 2012 | N° 17294
LUTO NO CÂNION
Jovem de 16 anos morre ao cair em penhasco na Serra
Sidharta Arderius acampava com o pai e um amigo na região do Pico Monte Negro, em São José dos Ausentes, quando o rapaz despencou
Após uma operação de duas horas, que contou com o apoio de uma força-tarefa de montanhistas gaúchos, o corpo do adolescente Sidharta Torves Arderius, 16 anos, foi retirado ontem do cânion Monte Negro, em São José dos Ausentes, nos Campos de Cima da Serra. Ele estava desaparecido desde domingo, quando foi visto pela última vez na área onde acampava com o pai e um amigo.
A hipótese mais provável é de que o rapaz tenha se perdido em meio a uma forte neblina e caído 130 metros. A angústia da família sobre o paradeiro do adolescente, que já durava quase 50 horas, se transformou em luto pouco antes das 15h, quando o corpo de Sidharta foi avistado no paredão íngreme do cânion por um dos montanhistas que se dirigiram ao local para ajudar o Corpo de Bombeiros nas buscas. O adolescente, a mãe e o padrasto eram adeptos do montanhismo. Praticantes do esporte de Caxias do Sul, Gravataí e Porto Alegre se mobilizaram para prestar auxílio.
Das cerca de 20 pessoas que atuaram no resgate do corpo, perto de uma dezena eram montanhistas. Juntamente com bombeiros de Vacaria, Gramado, Farroupilha, Canela e Caxias, deslocaram o corpo para uma área com menos árvores e começaram a içá-lo por meio de cordas.
Desesperados em busca de informações sobre o paradeiro do adolescente, familiares de Sidharta começaram a percorrer o fundo do cânion na véspera. Por conta própria, o pai, a mãe e o padrasto passaram a noite na região. Eles foram encontrados por bombeiros no meio da tarde de ontem, quase ao mesmo tempo em que o corpo do jovem era localizado.
Do lado de cima do cânion, o tio Renê Arderius acompanhou o trabalho da equipe de resgate:
– Ele e o pai estavam felizes que iam passar este tempo juntos.
Além dos bombeiros e montanhistas, o avião Ximango da Brigada Militar e um helicóptero de Santa Catarina chegaram a sobrevoar o local.
Sidharta desapareceu quando o pai, Eduardo Arderius Soares, 35 anos, e um amigo descansavam pouco antes das 13h30min de domingo. Eles acampavam a cerca de 500 metros da borda do cânion e nas proximidades do Pico Monte Negro, o ponto mais alto do Estado. A hipótese mais provável é que o adolescente tenha saído sozinho para fazer um passeio e, em meio à forte neblina, tenha se perdido e caído.
francisco.amorim@zerohora.com.br
FRANCISCO AMORIM | SÃO JOSÉ DOS AUSENTES
Foto Maicon Damasceno - Agência RBS
Josemar Contesini, Levi Ferreira, Augusto Serralha e Estefano Pereira ajudando no resgate.Foto Luciane Castilhos
Local do acidente na Cordilheira dos Andes - Imagem atual no verão
Fonte: Viven!
O texto que segue foi publicado originalmente neste blog em 27 de dezembro de 2011, quando o escrevi na praia de Torres/RS depois de ter lido, algum tempo antes, o livro La Sociedad de la Nieve.
Em função do espaço na mídia que foi reocupado pelo tema em função do aniversário de 4 décadas deste fato, e dada a impressionante mensagem de vida que ele nos trás, resolvi republicá-lo na íntegra aqui no Terra Australis, atualizando unicamente a data do aniversário, que no ano passado, quando escrito, contava com 39 anos.
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Há exatamente 40 anos um grupo de dezesseis cavalheiros se reúne a cada noite de 23 de dezembro para cumprir um sagrado pacto. O local uma acolhedora sala de madeira, pedra e lareira em uma casa de Montevidéu, Uruguai. Como motivo o encontro anual da Sociedade da Neve para a celebração do milagre do seu reencontro com a vida.
Engenheiros, agrônomos, empresários, médicos, pouco importa a profissão, o credo ou a origem, pois em comum partilham uma memória do passado e a coincidência de serem todos homens. Se hoje é o fogo que os reúne, há quase quatro décadas foi de gelo a têmpera que forjou para sempre um inquebrantável vínculo de aço.
José Pedro, Roberto Canessa, Roberto François, Alfredo, Daniel, Roy, José Luis, Alvaro, Javier, Carlitos, Fernando, Ramón, Adolfo, Eduardo, Antonio e Gustavo. Todos na faixa dos 60 anos são os dezesseis uruguaios que sobreviveram ao acidente do tristemente célebre Vôo 571 da Força Aérea Uruguaia, que os aprisionou sem qualquer recurso por 73 dias no coração da Cordilheira dos Andes.
O ACIDENTE
A história é bem conhecida. Em outubro de 1972 quarenta e cinco passageiros, na sua maioria jovens na faixa dos 20 anos de idade e integrantes de um time colegial de rugby, embarcaram em um vôo fretado em Montevideo rumo a Santiago do Chile. Durante a travessia dos Andes uma tempestade e erros de navegação levaram a aeronave Fairchild a chocar-se contra o pico de uma montanha, perdendo as asas e a cauda e deslizando por uma encosta recoberta de neve até um vale isolado na cordilheira.
Apesar de 30 passageiros terem milagrosamente sobrevivido ao choque imediato, tecnicamente uma verdadeira façanha, foram ainda obrigados a resistir sem qualquer preparo, comida e medicamentos a temperaturas abaixo dos 30 graus negativos trajando apenas leves roupas de verão. Dez dias após um pequeno rádio de pilhas trouxe a desesperadora notícia de que as operações de resgate haviam sido oficialmente encerradas, deixando os sobreviventes à sua própria sorte.
A absoluta falta de comida, o instinto de sobrevivência e um esforço enorme para vencerem barreiras pessoais e religiosas ínsitas à cultura humana universal, além de uma visceral repugnância física ao canibalismo, fez com que recorressem aos corpos dos amigos falecidos como fonte de alimento. Como se isto fosse pouco, os ferimentos do acidente e uma grande avalanche reduziram outra vez o grupo aos seus atuais 16 integrantes.
Após dois meses isolados na montanha e com a perspectiva de morrerem por inanição, em uma heroica jornada de dez dias sem qualquer conhecimento de técnicas de montanhismo, Nando Parrado e Roberto Canessa conseguiram chegar à localidade de Los Maitenes, no Chile e contatar as forças de socorro.
Foi então que no dia 23 de dezembro de 1972, véspera das celebrações de Natal em todo o planeta, quando o último dos 16 sobreviventes foi resgatado da montanha pelos helicópteros nasceu a Sociedade da Neve.
A National Geographic qualificou a jornada de autoresgate dos uruguaios como um dos grandes épicos do século XX, motivo suficiente para ser rememorada, estudada e celebrada como um verdadeiro triunfo do espírito humano sobre as adversidades e forças da natureza que então pareciam invencíveis.
Se simplesmente resistir ao acidente com o Fairchild foi um desafio à lei das probabilidades, tudo o que sucedeu a partir daí até a retirada do último passageiro da montanha foi também fruto da coragem, inteligência, engenhosidade, união, fé e do espírito de grupo dos acidentados, vários deles pouco mais do que adolescentes recém egressos da escola e acostumados com a tranquila vida da classe média alta de Montevideo.
E se para os olhos da sociedade de 1972 a necessidade de recorrerem ao canibalismo foi a violação de um autêntico tabu, hoje o caso é admirado e revisitado sob os enfoques da medicina, da psicologia e da administração, assim como pelo estudo das técnicas de sobrevivência em situações extremas tendo em conta o acerto das decisões tomadas pelo grupo.
Passados os anos, o Vôo 571 do Fairchild assumiu uma certa aura cult. O que antes era um ponto isolado na montanha hoje pode ser visitado por meio de expedições especiais até os destroços do avião. Livros foram escritos e produzidos filmes sobre o caso. A cultura superconsumista do Século XXI, ávida de novidades efêmeras, requentou seu interesse sobre o acidente e os integrantes da Sociedade da Neve, esquecidos por quase duas décadas, hoje ministram palestras por todo o mundo e mantêm uma fundação que auxilia comunidades carentes. Tudo a favor, ponto para eles!
LITERATURA E CINEMA
Em 74 foi lançado internacionalmente o livro com o relato da história a partir das entrevistas feitas pelo britânico Piers Paul Read, No Brasil recebeu o título de “Os Sobreviventes” (Alive), um best seller constantemente reeditado no mundo. Com farta divulgação do caso na mídia e apesar dos meus pais terem escondido o livro por tratar-se uma leitura muito “forte” para mim, aproveitei a distração em um final de semana de férias na praia Paraíso (RS) e encontrei o livro na mesa de cabeceira. Com a limitada compreensão de uma criança de apenas 9 anos mas já com o espírito de um futuro devorador de livros, avancei o que pude sobre suas páginas e fotografias antes que fosse descoberto. Mas meus pais tinham razão. O conteúdo crú do relato fez com que até hoje eu relembre perfeitamente estes ingênuos e distantes momentos de ilícito infantil.
Com o passar do tempo o assunto voltou às manchetes com a bem produzida versão cinematográfica de "Vivos!" (Alive, 1993), narrado por ninguém menos do que John Malkovich. Terminei por reler com olhos maduros o ainda excelente e detalhado relato original de Piers Paul Read e também as versões de Nando Parrado (Milagre nos Andes, São Paulo: Objetiva, 2006) e de Carlitos Paez (Despúes del Día 10, Alienta, ISBN 9788493521264, 2007), esta sem tradução no Brasil.
Há pouco ganhei de presente e literalmente degustei “La Sociedad de la Nieve”, de Pablo Vierci (Sudamericana, ISBN 9789500729758, 2008), tido como o livro definitivo sobre esta epopeia. Nele os 16 sobreviventes, já estabelecidos na vida, pais de família e avôs, com parte dos seus fantasmas exorcizados, apresentam suas reflexões depois de 35 anos do acidente, alguns saindo do retiro pela primeira vez desde os anos 70. O autor acompanhou os sobreviventes e seus filhos em uma visita ao local de acidente em 2006, dando origem ao livro e também a um tocante documentário ("La Sociedad de la Nieve" / Stranded", de Gonzalo Arijón, 2008).
Apesar de já ter lido muitas obras do gênero e me achar calejado com relatos de situações extremas, não pude deixar de me emocionar com as impressões individuais dos 16 coautores, cada uma delas com um enfoque tocante, original e de todo diferente dos demais. O livro, que comecei a ler meio desconfiado de ser uma estratégia caça-níqueis sobre o tema, foi uma gratíssima surpresa e lamento que tanto ele quanto o documentário com o mesmo nome não tenham tido no nosso país a divulgação que merecem.
Se nestes dias de Natal somos levados a direcionar nossos pensamentos para ideais de paz e fraternidade, independente de credo ou convicção, vale saber, e lembrar, que na última noite do dia 23 de dezembro, assim como o farão a cada ano enquanto viverem, os 16 membros da Sociedade da Neve estiveram reunidos com seus amigos e familiares para celebrar o milagre daquele longínquo Natal de 1972.
Testemunhos verdadeiros desta inacreditável vitória diante da adversidade extrema, em que somente a coesão como grupo lhes permitiu o reencontro com a vida, eles nos fazem lembrar com humildade que, em um tempo em que Gaia se revolta contra os séculos de desmesurada agressão humana, diante dos elementos da natureza somos ínfimos e somente a união, a fraternidade e a fortaleza de espírito nos fazem todos sobreviventes neste planeta que nos serve de lar.
Um Feliz Natal e um grande 2013 para todos nós!
(** Nota do Autor: Existirem fotografias originais da época como documento dos dias de isolamento dos sobreviventes na montanha é algo extremamente raro e importante. Me fez lembrar as fantásticas imagens em chapa de vidro captadas pelo australiano Frank Hurley na expedição de Shackleton à Antártida e que hoje, um século depois, constituem um registro histórico de valor absolutamente inigualável.)
Sobreviventes e familiares das vítimas formaram a Fundación Viven. Em pé (da esq. para a direita): Roberto François, Carlos Páez, Alfredo Delgado, Fernando Parrado, Gustavo Zerbino, Antonio Vizintín, Adolfo Strauch, Javier Methol, Ramón Sabella, Eduardo Strauch. Sentados (da esq. para a direita): Álvaro Mangino, José Luis Inciarte, Roy Harley, Pedro Algorta, Roberto Canessa e Daniel Fernández Strauch. Foto Jornal Zero Hora, 23/12/2012
O Jornal Zero Hora, de Porto Alegre/RS, publicou na sua edição de 23/12/2012 também uma matéria marcando os 40 anos do acidente do Fairchild de 1972. Segue o texto (clique para ampliar):
Em função os últimos acontecimentos no caso do acidente fatal havido em El Chaltén em janeiro deste ano, Kika Bradford, parceira do montanhista brasileiro Bernardo Collares na escalada ao Cerro Fitz Roy divulgou manifestação pública na sua página no Facebook expondo com detalhes a sua versão do aconteceu na montanha.
Confira o texto integral do seu depoimento divulgado no último dia 03/04/2010:
"AOS MEUS AMIGOS E PESSOAS DE BOA FÉ.
Ainda sob abalo emocional do acidente com o Bernardo, tenho acompanhado as dores da família Collares através do facebook e a sua luta por explicações e possibilidades de resgate do corpo que possam trazer alguma paz e conforto, dentro do possível, para todos.
Tenho também acompanhado as manifestações feitas no facebook do Bernardo por diversas pessoas alheias à família. Vejo com pesar, que, principalmente a partir do "7º Capítulo - PRIMEIROS MOVIMENTOS E A “OPERAÇÃO ABAFA” -Versão da família", postado no dia 21/03, tem havido um elevado número de mensagens, de algumas poucas pessoas, com afirmações que denotam desequilíbrio emocional e irracionalidade que agridem e ofendem gravemente, me atingindo naquilo que mais prezo como pessoa, a minha honra e os meus valores morais.
Momentos de alto estresse muitas vezes levam a atitudes impensadas, mas aqueles calcados em base sólida de caráter sabem respeitar limites e evitar deduções levianas e falsas que possam comprometer os valores morais e honra alheios.
Pela gravidade das opiniões emitidas, que mais parecem fruto de movimento articulado para me desestabilizar em prol da defesa da tese de que houve omissão de resgate, a qual não compartilho, achei necessário fazer uso do meu facebook para os esclarecimentos necessários e evitar a que ‘uma mentira contada muitas vezes se torne uma realidade’
Sobre a dúvida levantada a respeito da veracidade do meu relato, opto por ignorá-la pela insignificância das pessoas que levantam essa premissa e por se tratar de uma questão de credibilidade pessoal, a qual jamais foi questionada por alguém de boa fé, que realmente conhece a situação ou me conhece.
Aos questionamentos, acusações e/ou alegações de falta de solidariedade por abandono do Bernardo (sim, abandono, pois não encontro outra palavra para descrever suposições de que o Bernardo teve simplesmente um dedo da mão quebrado), de que eu relatei não ter examinado o Bernardo, falta de empenho em prol do resgate e contra o parecer da Comissão de Auxilio em El Chalten, falta de atenção à família Collares no devido tempo e falta de desmentido de diagnóstico publicado em algumas mídias, entre outras falsas premissas, eu respondo com os esclarecimentos e detalhamento abaixo.
Em nenhum momento, em nenhuma colocação minha, relatei APENAS um dedo quebrado. Em todos os relatos, chamei MUITA atenção para o fato principal: a dor incapacitante que o Berna sentia na região do quadril / coluna lombar, cóccix.
Em nenhum momento afirmei não ter realizado uma avaliação do estado do Bernardo. Durante as 4 horas que estive com ele, pude averiguar diversos sinais e sintomas, e todos foram relatados para a Dra. Carolina, família e, posteriormente, aos montanhistas no CEB.
O que relatei foi não ter concluído um exame físico minucioso no Bernardo por diversos motivos:
Num acidente com possibilidade de lesão na coluna vertebral, não se deve mover muito a pessoa. O trauma que Bernardo sofreu indicava uma grande possibilidade de lesão na espinha, ainda mais com a presença de fortes dores na região do quadril, lombar e cóccix.
Qualquer movimento mínimo do quadril para baixo, mesmo um toque quase imperceptível na região do quadril, causava uma dor absurda em Bernardo. Qualquer movimento acima do quadril era também sentido com muita dor, embora não tão grande quanto a inferior.
A temperatura baixa e condições climáticas adversas dificultava a movimentação, uma vez que qualquer peça de roupa removida para que eu chegasse a nível da pele deveria ser colocada de volta no mesmo lugar para prevenir a perda de calor.
Evidência de que a região da bacia e lombar também havia sido afetada com gravidade devido à sua dor e incapacidade de mover-se, e que provavelmente outras partes poderiam ter sido afetadas. Imaginei que qualquer que fosse o resultado de uma avaliação completa naquela situação não alteraria a condição paralisante do Berna e a gravidade da situação.
Partiu do próprio Bernardo a verbalização do que foi a melhor e única opção de ajuda para ele: que eu descesse sozinha para buscar ajuda e que necessitava que isso ocorresse naquele dia, com um helicóptero. Interpretei essa sua manifestação como uma confirmação da precariedade do seu estado físico e da urgência na adoção da única alternativa que representasse qualquer fio de esperança: a minha descida solo em busca de resgate.
O que segue também foi relatado para a Dra. Carolina, família e, posteriormente, mídia e montanhistas no CEB (aqui me restrinjo a descrever os sinais e sintomas que observei em Bernado, sem detalhar o acidente em si ou procedimentos técnicos):
Bernardo perdeu a consciência quando seu corpo bateu contra a pedra. Ficou desacordado por 1 a 2 minutos (tempo aproximado), completamente pendurado na corda.
Ao voltar a si, Bernardo se encontrou extremamente desorientado por mais de 40 minutos (tempo aproximado), a ponto de não saber onde se encontrava. Sabia seu nome e sabia quem eu era, e em um momento me disse que não tinha ideia da onde estava, e quando perguntei, me disse que não sabia nem que estava no Fitz Roy. Nesse período, fez diversas perguntas repetitivas: o que aconteceu? e me repetia a mesma coisa: acho que quebrei meu dedo.
Para realização de um procedimento técnico, enquanto ainda pendurado na corda, Bernardo conseguiu, com muito sacrifício e dor intensa, colocar seu peso em uma das pernas com o suporte da corda (que sustentava parte de seu peso).
Bernardo tinha muita dificuldade de olhar para baixo mexendo apenas o pescoço.
Quando eu consegui transferi-lo para o platô, Bernardo conseguiu se arrastar com os braços mais ou menos 0,40 cm. Não conseguiu ficar em pé, nem sentado, deitando-se imediatamente.
Bernardo deitou no chão e quando eu levei o isolante térmico dele, ele levantou o tronco, com muita dor, e eu coloquei o isolante embaixo dele. Imediatamente depois, Bernardo me diz: daqui eu não saio.
A partir desse momento, Bernardo não se moveu mais sozinho. Qualquer movimentação na região das pernas, eu deveria fazer para ele. Toda movimentação causava uma dor monumental, traduzidas em gritos e palavrões. Cabe ressaltar que estou falando de movimentos de menos de 10 cm, apenas para ajeitar o pé para um lado ou outro; ou colocar a mochila abaixo de seus pés para deixá-lo mais confortável e isolado do chão. (OBS - A mochila ficou nesse lugar: embaixo de suas pernas, sem estar totalmente fechada. Dentro dela, havia apenas algum lixo, e acho que um par de meias e não levamos papel e lápis. Ela estava praticamente vazia, uma vez que todo equipamento de bivaque – dormir – e escalada estavam sendo usados e Bernardo usava toda sua roupa).
Bernardo, nesse momento, conseguiu tomar água sozinho, segurando a própria garrafa e mexendo os braços. Não conseguiu comer.
Bernardo tremia incontrolavelmente nesse primeiro momento em que o deixei deitado.
Mais ou menos uma hora e meia depois disso….
10. Bernardo sabia onde estava e o que havia acontecido. Perguntou se eu havia conseguido buscar a corda, demonstrando mais lucidez.
11. Bernardo seguia incapacitado de mover suas pernas, nem que fossem centímetros. A dor estava mais forte. Pediu que mudasse a posição do seu pé (centímetros), o que ocasionou uma dor muito intensa.
12. Ao ajeitar algo a seu lado, encostei levemente, sem querer, na região da sua bacia, o que provocou uma dor excruciante
13. Bernardo me disse que não conseguia pegar a água que estava ao alcance de sua mão, ao lado de sua cabeça e que era para eu deixá-la dentro de seu saco de dormir.
14. Movi minimamente sua cabeça para colocar uma balaclava e nenhum ferimento me chamou a atenção nessa região. Esse movimento causou desconforto, mas não dor. Coloquei suas sapatilhas debaixo de sua cabeça para maior conforto (Bernardo estava calçado com as botas).
15. A dor não deixou que eu colocasse um segundo isolante térmico embaixo de Bernardo completamente. Coloquei-o o máximo que consegui embaixo de parte de seu tronco.
16. Bernardo me disse que não podia se mexer e que dali só sairia de helicóptero. Para quem não conhecia o Bernardo, isso pode significar quase nada. Quem o conhecia sabe da imensa força física, mental e espiritual que ele tinha. Bernardo não iria dizer isso se não fosse algo grave.
Levantar a suposição de que um dedo quebrado tenha sido o causador da trágica conseqüência é menosprezar esses atributos acima descritos.
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O acidente ocorreu dia 03/01 pela manhã, cerca de 9:30/10hs e comecei minha descida às 14hs. No mesmo dia 03, contrariando a previsão do tempo, o Fitz Roy ficou o dia inteiro por baixo das nuvens e começou a nevar no final do dia. No dia 04, o tempo piorou: nevou e ventou o dia inteiro. Dentro dessa conjuntura, Juan avisou a comissão de auxílio que ia subir para as montanhas com Luis e averiguar o que havia ocorrido, já movimentando um resgate. Ao avistarem uma pessoa vindo no glaciar, passaram um rádio para Chalten para avisar que havia apenas uma pessoa (ainda não sabiam quem era). Assim que conseguiram avisar a Chalten, desceram e me encontraram por volta das 5:30 da tarde.
Imediatamente após o meu resgate e obtenção de informações básicas, Luís passou um rádio para Chalten. Quando chegamos a Piedra del Fraile, um abrigo de montanha (mais ou menos 4 horas de caminhada do local onde eles me encontraram), nos encontramos com Marcela, da Comissão de Auxílio / Resgate de Chalten. Ela estava ali para falar diretamente comigo, sem intermediários, e obter as informações necessárias para o possível resgate do Bernardo. Eram, mais ou menos, 10 da noite.
Minha exaustão física e mental não me deixou continuar até Chalten nesse dia. Dormi em Piedra Del Fraile, onde não tem telefone, televisão, internet, etc, e que se encontra a 2 horas de caminhada da estrada + 40 minutos em carro de Chalten. Cheguei em Chalten às 11 da manhã do dia 05/01 e fui direto conversar com a Dra. Carolina. Foi quando recebi a informação de que o resgate era impossível.
A Comissão de Auxílio, coordenada pela Dra. Carolina, havia chegado a essa dolorosa conclusão por diversos fatores (conforme me foi informado por ela e por pessoas que participaram do processo de decisão), entre os quais: os sinais e sintomas de Bernardo, a localização do local na montanha (400 metros do cume e 1500 metros da base), as características da via Afanassief (muitas horizontais, muitas pedras soltas), a impossibilidade de, na melhor das hipóteses, uma equipe de resgatistas chegar ao local em que o Bernardo se encontrava antes da tarde do dia 06 ou manhã do dia 07, ou seja, 4 dias depois do ocorrido, a previsão de piora no clima para o dia 07/01, fatores esses que colocariam toda a equipe de resgate em alto perigo de vida. Sobre a alternativa de resgate aéreo, não havia disponibilidade de um helicóptero com equipamento específico, nem a presença de piloto e equipe experiente em resgate em paredes da proporção do Fitz Roy e com experiência em voos na Patagônia, com seus ventos...
Meu mundo desabou... foram dois dias lutando para buscar o resgate e esse não seria possível. Foi a notícia mais difícil que recebi na minha vida.
Dali, fomos falar com outros escaladores, entre eles o Sérgio Tartari, que me explicaram ainda mais o processo de decisão e o porque daquela decisão. Nessa hora, Sérgio me disse que, como ninguém tinha o telefone de nenhum parente do Bernardo, havia ligado para Cris Jorge para que ela avisasse a família e que a família assim já havia sido comunicada naquele mesmo dia 5, pela manhã, antes da minha chegada à Chalten.
No dia 06/01, apesar dos 10 dedos da mão em estado de congelamento, enviei um email para Leandro e Kátia (irmãos do Bernardo) explicando da minha dificuldade de digitar, passei meu telefone em El Chalten e me pus à disposição da família. Ambos me responderam que não haviam ligado por saber que eu estava “traumatizada de corpo e mente” (email da Katia). Leandro me agradeceu por fazer o que Bernardo me havia pedido e Katia me disse para ficar tranquila que havia um movimento para gerenciar o conteúdo na mídia. Nesse mesmo dia, falei com o André Ilha e relatei o acontecido, seguindo a linha acima descrita.
No dia 07/01, Érica (irmã do Bernardo) e Sblen (que foi a Chalten a pedido da família do Bernardo) chegaram a Chalten. Hugo, filho de Erica e sobrinho do Berna, chegou mais tarde. Durante toda a estadia dos Collares em Chalten, prestei assistência e apoio, junto com Juan, Mita, Sblen e Xande (meu irmão), não medindo esforços para ajudá-los no que necessitavam: encontros, reservas, comidas, hospedagem, etc.
Durante esse tempo em Chalten não me senti em condições emocionais de dar declarações e/ou entrevistas à mídia. Em nenhum momento, porem, essa minha atitude foi para com a família Collares. Pelo contrário, eles sempre tiveram todos meus contatos desde o primeiro momento: telefone, email e facebook.
Cheguei ao Rio de Janeiro, no dia 13/01, à 1:30AM, já com reunião agendada com toda a família do Bernardo, para aquele mesmo dia, na hora e local que eles escolheram. Durante 04 horas forneci todas as informações e me coloquei á disposição para novos esclarecimentos (por email, telefone ou novo encontro), inclusive para aqueles que não puderam estar presentes.
No dia 16/01, saiu uma entrevista no O Globo, com detalhes sobre o acidente e também uma matéria curta no Estadão. Ainda, num pedido da Go Outside, fiz um relato da minha experiência, em como eu vivi tudo (edição de março). Não tive o objetivo de descrever com detalhes o acidente, seguindo a linha editorial que me havia sido requisitada.
Fiz questão de falar também com os montanhistas sem restringir “aos amigos”. Marquei uma “palestra” no Clube Excursionista Brasileiro (CEB), no dia 18/01, que foi divulgada nas listas dos clubes de montanhismo, na lista da FEMERJ e para a família. Aqueles que participaram puderam ter uma visão mais realista do acontecido, uma vez que não se restringiram a informações oriundas de redes de noticias. Imagino que foram mais de 200 pessoas espremidas para escutar meu relato. Berna era querido.
Entre o dia do relato para a família e hoje, a família Collares me contatou 3 vezes, fora o nosso encontro no dia da homenagem ao Bernardo, na Urca. A primeira através de telefonema do Hugo, quando ofereci todas explicações que podia. A segunda foi pela Erica, via email do facebook, solicitando um encontro com urgência, que, a pedido, concordei em ser no dia 09/02, Quarta-feira de cinzas, mesmo em sacrifício do feriado e de compromisso já assumido, mas que foi por ela desmarcado em cima da hora sem justificativa plausível.
Posteriormente, nos dia 12 e 13/03, troquei emails com o Rodrigo a respeito de informações por ele solicitadas sobre a foto do platô onde Bernardo deveria estar e que foram prontamente respondidas.
Não me preocupei em desmentir qualquer publicação de diagnóstico de fratura de bacia, hemorragia interna, etc, a qualquer tempo, por achar que tal afirmativa em nada alteraria o relato da gravidade da ocorrência, inclusive a total incapacidade de locomoção do Bernardo, e que em nada contribuiria para amenizar a dor da família Collares e de todos os amigos.
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Reitero que minha indignação diz respeito a alguns poucos que tem sido responsáveis por muitas mensagens agressivas e ofensivas postadas no facebook do Bernardo. Foi confortante receber da família Collares mensagens no meu email pessoal contendo manifestações como:
“Estamos revoltados com a forma como tudo foi conduzido, mas você participou apenas da parte em que não se poderia fazer mais nada. Você fez o que estava ao seu alcance e nós temos plena consciência disto”.
“O que eu posso afirmar para você é que não existe nenhuma divergência com relação a você na família. Alias é um dos poucos pontos onde existe consenso. Você fez o que tinha que ser feito.”
Finalmente, não pretendo me pronunciar mais de forma aberta para responder a questionamentos injustos, incabíveis e/ou ofensivos, permanecendo à disposição da família Collares para ajudar, sempre que possível.
Kika Bradford"
No dia 04 de fevereiro a ESPN transmitiu um belo programa em homenagem ao Berna. Veja a íntegra no blog do Eliseu Frechou AQUI.
CONFIRA A COBERTURA COMPLETA FEITA PELO TERRA AUSTRALIS:
O corpo do montanhista brasileiro Bernardo Collares desapareceu do lugar onde supostamente teria falecido no Monte Fitz Roy, na Argentina, conforme noticiou nesta madrugada o escalador Eliseu Frechou, a partir de uma carta da mãe de Berna - Heliane Collares, postada no Facebook.
Será que de fato ele estava à beira da morte quando autoridades e resgatistas argentinos qualificaram como inútil a sua busca?
Bernardo teria tentado salvar-se sozinho depois de inutilmente esperar pelo socorro?
Mantenho este blog desde 1997 e em 4 anos a minha postagem mais acessada até hoje foi justamente aquela de 06/01/2011 na qual questionei - como tantos outros - a ausência de sequer uma tentativa de resgate de Collares em seguida ao seu acidente.
A mesma indação já havia feito no mesmíssimo dia em que a notícia circulou dentre os montanhistas ao inserir o primeiro post sobre o acidente aqui no Terra Australis, lembrando de casos referenciais de auto-resgate em situações extremas como Beck Weathers no Everest e Joe Simpson nos Andes, desejando que o mesmo pudesse acontecer ao escalador brasileiro.
A manifestação da família de Bernardo diz tudo e nos faz imaginar um final ainda mais dramático para esta triste história. Agora é aguardar a reabertura do processo de investigação que está sendo solicitado aos meios diplomáticos do Itamaraty.
Confiram abaixo o a carta de Heliane Collares noticiada por Eliseu Frechou no Estadão Online/ESPN (confira a matéria AQUI):
"Após todo o sofrimento pelas tentativas frustradas de salvar o Bernardo, após tantos "nãos" para nossos apelos pelo resgate, recebemos a notícia de que o corpo do MEU FILHO não se encontra no local onde sua parceira o deixou VIVO, em 03/1/11.
Fotos tiradas em fevereiro constataram que, no local, só permanecem algumas barras de cereal, uma corda (identificada pela Kika como sendo a da ancoragem de Bernardo), o cantil, um bujão de gás para fogareiro, um stopper,uma piqueta e um par de sapatilhas de escalada.
Inexplicável!
Várias indagações podem ser feitas a partir desse fato.
Será que o estado de saúde de Bernardo não era tão ruim quanto as previsões pessimistas que o condenaram, e ele arrumou a mochila, abandonando alguns itens, tentando salvar-se, ante a demora do resgate, tendo queda fatal em outro lugar? Quanto tempo ele esperou? O que sofreu?
Será que saqueadores estiveram lá (onde nos diziam que ninguém conseguiria ir para ajudá-lo), levando o que tinha valor e empurrando o corpo no precipício?
Como, após tantos dias, barras de cereal permaneceram num lugar em que nos falaram de terríveis ventos que inviabilizavam vôos de helicópteros?
Como nos propusemos a falar somente do que podemos provar aqui nos limitamos a lançar as interrogações, que permanecem como facas nos nossos corações.
As fotos foram encaminhadas ao Itamaraty, com requerimento no sentido de que se reabra processo judicial que tramitou na Argentina, com novas investigações e resgate do corpo. Na carta, informamos, ainda, que, pelas informações preliminares recebidas dos montanhistas locais, o corpo deve se encontrar no glaciar, a 1000 metros abaixo, próximo à "grande canaleta", em local que pode ser atingido inclusive sem escalada e onde foram resgatadas duas pessoas no ano passado.
E agora, aqueles que nos falaram com tanta certeza de que Bernardo morrera nas primeiras horas do acidente, de hipotermia, teriam as respostas de que nós precisamos para dormir em paz?
E eles, será que têm a consciência livre da culpa por seu amadorismo ter concorrido para a morte de uma pessoa?
Heliane Damiano Collares (mãe do Bernardo)"
CONFIRA A COBERTURA COMPLETA FEITA PELO TERRA AUSTRALIS: