domingo, fevereiro 20, 2011

Náutica/Vela: De Rio Grande ao Bujurú

 
O Arraia Manta se abastece de combustível.
O trânsito de embarcações em Rio Grande é bastante intenso como o mais importante pólo naval do sul do Brasil. O pequeno posto de combustíveis onde abastecemos o Arraia Manta vende 1 milhão de litros de óleo diesel por mês.

Zarpamos de Rio Grande às 14h30 da tarde, com a meta de chegar à barra falsa do Bujurú, um bom abrigo para pernoite junto à costa leste da Lagoa dos Patos, precisando vencer um percurso aproximado de 60 milhas náuticas.

A primeira etapa desta viagem é seguir parte da hidrovia da Lagoa dos Patos pelo Canal da Feitoria, rota obrigatória utilizada por todas as embarcações de médio e grande porte que seguem para o Atlântico ou que tem como destino as águas interiores do Rio Grande do Sul.

Isto acontece porque a Lagoa dos Patos, apesar de imensa não é muito profunda, apresentando muitos perigos à navegação. A sua profundidade média é de 6,5 m e os maiores riscos decorrem dos bancos de areia, da neblina, dos fortes ventos e das ondas que deles decorrem.

Balsa de passageiros que une Rio Grande a São José do Norte na foz da Lagoa dos Patos com o Oceano Atlântico.
São muitos os naufrágios na costa oceânica do Rio Grande do Sul que, até o Uruguai, é conhecida como cemitério de navios. E dentro da Lagoa dos Patos, o “Mar de Dentro”, também muitas embarcações antigas e modernas jazem em seu fundo. Somente nesta viagem do Arraia Manta passaremos por dois naufrágios bem conhecidos dentro da lagoa, os navios "Cisne" e "Álvaro Alberto".

Por tudo isto alguns trechos somente são navegáveis em canais dragados, sendo o mais famoso dele o da Feitoria, com aproximadamente 35 milhas de extensão. É o primeiro que precisaremos atravessar e, por ser estreito e ladeado de ponta a ponta por estacas de fixação de redes e armadilhas colocadas pelos pescadores de peixe e camarão, o Arraia Manta precisa valer-se de uma combinação de vela e motor para não sair da rota.

O cenário é lindo. Logo na saída do porto de Rio Grande já avistamos do outro lado da foz da lagoa a histórica São José do Norte, com seus casarões centenários e a barca que atravessa o canal com automóveis, caminhões, passageiros, carroças e cavalos, estes últimos personagens indissociáveis da cultura rural gaúcha.

São José do Norte, uma cidade histórica do outro lado do canal, em frente a Rio Grande.
Pescadores de camarão em plena safra de verão. Canal da Feitoria, Lagoa dos Patos/RS
Levamos aproximadamente 7 horas a motor e vela para percorrer todo o Canal da Feitoria, passando por milhares de estacas de armadilhas de pescadores pois estamos em plena safra do camarão. Os pilotos precisam estar muito atentos a estes obstáculos que avançam indevidamente para dentro do canal de navegação. Pelos perigo que representam os os navegantes chamam este trecho de “paliteiro”, sendo extremamente recomendado não atravessá-lo à noite.

O "paliteiro" de armadilhas para camarão no Canal da Feitoria. Um perigo para a navegação.
Por volta das 20h00, justo ao pôr-do-sol, finalmente saímos do Canal da Feitoria e podemos nos afastar da hidrovia e do trânsito das chatas e navios, fixando rumo direto para o Bujurú, abrigo do nosso pernoite.


20h15: o último pôr-do-sol do horário de verão...
O vento está totalmente de proa, contrário ao rumo necessário, o que nos exige continuar navegando a motor com o barco batendo forte contra as ondas. Apesar do desconforto que a navegação com ondas de proa, a vida a borda vai tranqüila, com um ou outro marinheiro mais novato enjoando um pouco...

Com as ondas batendo de proa e o vento forte, alguns tripulantes enjoaram...
Os equipamentos eletrônicos em um veleiro incrementam muito a segurança da navegação. À bordo temos radar, sonar, GPS, cartas náuticas eletrônicas e piloto automático. Conduzir uma embarcação nestas condições deixa tudo mais confortável mas a atenção dos tripulantes ainda é essencial quanto a tudo o que ocorre em torno, em especial a variação das condições climáticas e obstáculos não previstos nas cartas náuticas e que podem estar à deriva na água.

O Comandante Tita confere a rota na mesa de navegação, o centro de informações do veleiro.
Entramos em águas abertas na Lagoa dos Patos e então perdemos todo o contato visual com as margens. Entre milhas e milhas de água doce por todos os lados e chegamos ao à barra falsa do Bujurú às 23h45, com uma lua maravilhosa pintando lagoa de prata. Mesmo sendo tarde não dispenso um mergulho nas suas águas, onde apenas uma pequena brisa impede que a superfície se torne um espelho perfeito.

Bom... Apesar do horário avançado a a tripulação precisou aguardar águas calmas para poder preparar a refeição, um dos momentos mais esperados durante a faina diária em uma embarcação e na nossa não é diferente. Afinal, quem se importa com o relógio?

Precisamos nos alimentar e o menú é assinado pelo Chef Demosthenes: camarão à baiana, recém pescado na lagoa!


E ninguém é de ferro. Findos os trabalhos já na madrugada, é hora do sono dos justos...

P.S.: a partir da saída do Canal da Feitoria perdi a conexão com internet, a qual só foi retomada em Itapuã, um dia depois, impossibilitando a postagem do diário de viagem em tempo real como eu gostaria de fazer.

Imagens: Fotografias de João Paulo Lucena


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