sexta-feira, janeiro 07, 2011

Argentina/Montanhismo: Condições de risco não permitem resgate no Fitz Roy

Cerro Fitz Roy - El Chaltén/Argentina. Fonte: Folha Online

O montanhista André Ilha, amigo pessoal de Bernardo Collares, escalador acidentado no Cerro Fitz Roy na última segunda-feira, informou ao meio e à imprensa dados mais concretos e confiáveis sobre o acontecido, inclusive salientando a impossibilidade de efetivarem-se tentativas de resgate no momento atual em função das péssimas condições climáticas e grandes riscos para os resgatistas.

Embora parte da imprensa ainda cogite de Benardo estar vivo, na prática fica sepultada qualquer possibilidade de ser resgatado a tempo dada a gravidades das lesões que sofreu e a prolongada exposição à interpérie.

Na Argentina o Diário Patagónico informou que porta-vozes da Gendarmería não acreditam que o montanhista ainda possa ser encontrado com vida (link ao final deste post) e reproduz uma das suas últimas imagens.

Bernardo e Kika Bredford. Fonte: Diário Patagónico

Há que se considerar também que é um preceito básico das operações de resgate não aumentar o número de vítimas além daquelas que estão sendo buscadas e, têm sido divulgado, as avaliações feitas até o momento foram contrárias ao início de qualquer operação do gênero, o que não deve, em princípio, ser confundido com negligência das autoridades responsáveis.

Em depoimento dado ao Portal Webventure o escalador e oficial do corpo de bombeiros de São Paulo, Victor Carvalho, que já esteve no Fitz Roy, assim afirmou:

"(...) Se as informações preliminares estiverem certas e o Bernardo ter ficado mais de 30 enfiadas para cima no Fitz é impossível ele ser retirado de lá a não ser que por helicóptero. Qualquer tentativa de resgate por escalada nestas circunstâncias seria muito arriscada, se não suicida (ao meu ver), e praticamente sem chance de sucesso. Ainda mais nas condições de saúde dele (hemorragia e fratura de bacia).

Infelizmente as condições de voo por lá são extremamente ruins, com ventos que chegam a 80 km/h. Duvido muito que uma operação de resgate aéreo seja possível, até pelo tempo passado desde os fatos: o acidente deve ter sido entre o dia 2 ou 3, e pela tempestade que teve no dia 3 ou 4.
A Kika Bradford foi valorosa e tomou a decisão correta. Sozinha ela não teria condições de resgatá-lo e iria morrer lá se ficasse.
A escalada - O Fitz Roy é uma das montanhas mais duras do mundo e o Bernardo sabia disso (por mais que ele estivesse no nível da montanha). A informação que chegou é que em Chaltén estão alguns dos melhores alpinistas do mundo (Rolando Garibotti, o próprio Tartari, acho que o Colin Haley também está lá, entre outros). Creio que se eles decidiram ser impossível um resgate, a decisão deles deve ter um embasamento técnico bastante forte."
Para qualquer um com vivências mínimas em montanha estes procedimentos são mais do que básicos, são óbvios. Aliás, isto consta na própria Declaração do Tirol que traça diretrizes mundiais para a prática de montanhismo, de pleno conhecimento e adoção no Brasil. A primeira delas, especificamente, alerta que "montanhistas e escaladores praticam seus esportes em situações nas quais há risco de acidentes e em que a ajuda externa pode não estar disponível". 
Em mensagem repassada à comunidade montanhista e representando as famílias de Bernardo Collares e de Kika Bradford, sua parceira de escalada, Ilha salientou a necessidade de evitar-se a propagação de notícias sensacionalistas e do apoio pelos montanhistas à decisão de Kika Bradford de deixar seu parceiro acidentado e, com alto risco pessoal, retornar à base em busca de socorro.

"Oi pessoal,
Falei longamente com a Kika há pouco (fisicamente, ela está bem, mas está arrasada), que me descreveu melhor os detalhes, mas não há nada muito diferente do que já foi divulgado, exceto pelo fato de que eles NÃO atingiram o cume do Fitz pela via Afanassief, embora tenham chegado muito próximo, e o acidente aconteceu logo no primeiro rapel – a ancoragem saiu, ou se rompeu ou a pedra se partiu, isso acho que nunca se saberá ao certo. A Kika desceu primeiro, nada aconteceu, e enquanto armava a segunda ancoragem o Bernardo voou; ela pegou a corda no reflexo, mas não teria conseguido segurar, claro, se a corda também não tivesse passado por acaso por trás de um bico de pedra. O resto ela própria poderá dar mais detalhes no momento possível.

Mas o importante agora é o seguinte: a imprensa, gostemos ou não, É assim, aqui e em qualquer lugar no mundo, pois ela é voltada para a opinião pública e a opinião pública quer sensacionalismo. Ninguém para na rua para ver um carro estacionando corretamente, mas sai correndo para ver quando há uma batida, por menor que seja.

Como vocês podem recordar muito bem, nas mortes do Mozart no Aconcágua, do Vitor Negreti no Everest, ou daquele cara cujo nome não me recordo na África, a imprensa deu um destaque absurdo, e a pior coisa que poderia acontecer agora seria deixar a coisa correr solta, publicarem ou falarem barbaridades e denegrir a imagem do esporte e dos nossos amigos – particularmente crucificarem a Kika por não ter permanecido no Fitz para morrer junto com o Bernardo e não fazer a única coisa lógica e racional possível que era descer para tentar um resgate de helicóptero, a única chance que ele teria de sobreviver, mas não teve. E, acreditem, só uma pessoa MUITO experiente e determinada como ela conseguiria sobreviver à inacreditável descida sozinha, seguida de travessia da geleira, com um bivaque ao relento sem saco de dormir, debaixo de neve o tempo todo. Foram mais de 50 rapéis, com a corda prendendo o tempo todo, e ela chegou na base com um pedaço de 17 metros e outro pouco maior das duas cordas originais de 60 metros…

Então, o papel de TODOS nós é contribuir para que a realidade da escalada em locais como a Patagônia seja mostrada com exatidão – já houve diversas outras mortes por lá nesta temporada – para que não venha mais uma bateria de projetos de lei estapafúrdios por aí, sendo que agora não temos mais o Bernardo para lutar contra eles…

Eu estou sendo caçado dia e noite por jornalistas de tudo quanto é órgão de imprensa para dar mais detalhes e, após falar previamente com as duas famílias, decidi atender a todos os que for possível (lembrando-os sempre de procurarem os diretores da FEMERJ, como Júlio e Bugim, que também já falaram com alguns deles) para esclarecer da melhor foma possível a situação. Até meia noite ligaram lá para casa, e hoje não consegui trabalhar nada… Mas vale a pena todo o esforço agora, pois além de as duas famílias serem um pouco poupadas assim, a gente consegue evitar manchetes e conteúdos muito ruins, cheios de coisas absurdas que gerarão ainda mais especulação infundada.

Por fim, lamentavelmente a situação do nosso amigo era diferente da do Joe Simpson ou de outros casos em que houve sobreviventes em condições miraculosas, pois as lesões dele foram terríveis. Esse é o grande diferencial.

Abraços e beijos,
André"
Em complemento transcrevo as declarações dadas pelo montanhista ao jornal O Estado de São Paulo em matéria publicada hoje:

"Os dois sabiam que a única chance que ele tinha era ela descer e pedir ajuda. A descida dela foi inacreditável. Sem o saco de dormir que deixou com ele, ela dormiu no meio da parede, debaixo de neve. Depois, atravessou a geleira cheia de buracos perigosos", contou Ilha após falar com Kika, que chegou à base da montanha apenas um dia depois.Em estado de choque e muito cansada, ela está em El Chaltén, onde o namorado, Juan Sanches, tem uma pousada. Segundo ela disse a Ilha, com uma melhora do tempo seria possível resgatar o corpo de Bernardo.

Mas os amigos acreditam que ele não tenha sobrevivido além de terça-feira. "Todo mundo que vai ali sabe que é uma escalada extremamente aventurosa e é absolutamente impossível o resgate por terra no ponto em que ele caiu", explica Ilha.
Queda. O acidente ocorreu às 10h, quando Bernardo e Kika, sem atingir o cume do monte que é considerado de difícil acesso, iniciaram o retorno. Kika chegou a um platô, mas quando Bernardo descia pela mesma Via Afanassief (caminho de 1.800 m na montanha que leva o nome do francês Jean Afanassief, que primeiro passou por ali, em 1979), a corda do rapel que usava escapuliu de onde estava ancorada e ele caiu de uma altura de 15 metros.
Com o choque, sofreu uma possível fratura da bacia e hemorragia interna. Ficou com a região afetada completamente roxa e inconsciente.

Kika ficou ao seu lado por quatro horas, período em que ele intercalou momentos de consciência e inconsciência. Das poucas vezes em que se mexeu, chorou de dor. Depois, em comum acordo, decidiram que ela tentaria buscar socorro.

Ela chegou à base da montanha na terça-feira à tarde e só depois de atravessar a geleira encontrou o namorado que tinha saído em busca de notícias por causa do mau tempo.

Todos concluíram que não havia como fazer o resgate. "Seria dificílimo chegar aonde ele estava antes da próxima tempestade. E, se chegassem, não teriam como descer, era preciso uma maca rígida", explica Ilha.
Família. Em busca de informações sobre o irmão, Érica Collares chegará hoje ao povoado de El Chaltén, na Patagônia. "
Fonte: Estadão Online, 07/01/2011
E, por fim, as notícias veiculadas na TV Globo, incluindo os depoimentos de Makoto Ishibe e André Ilha:





ALGUMAS NOTÍCIAS NA IMPRENSA EM 06 e 07/01/2011:

- Jornal Nacional - Alpinista brasileiro sofre queda na Patagônia
- O Estado de São Paulo - Amiga é obrigada a deixar alpinista ferido nos Andes
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Rede Bandeirantes/ Band News - Familiares ainda tentam resgatar o corpo de alpinista brasileiro
- Folha Online - Familiares aguardam para fazer buscas por alpinista na Patagônia argentina
- Portal Webventure - Oficial dos Bombeiros diz que resgate de Bernardo Collares no Fitz Roy será muito difícil
Diário Patagónico - Dan por muerto al andinista brasileño que intentó hacer cumbre en el Fitz Roy
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Voces y Apuntes - Se confirmó la muerte del andinista brasilero en el cerro Fitz Roy


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