quinta-feira, outubro 14, 2010

Chile: Os mineiros e a imprensa. Ou quando a vida imita a arte.


Copiapó, Deserto de Atacama, Chile, 2010.

Hoje o mundo comemorou uma fantástica notícia: o resgate do último dos 33 mineiros chilenos que ficaram presos por 69 dias abaixo de 700 metros de terra no Deserto de Atacama!

O grande drama humano, o exemplo de resistência moral e física, a solidariedade, a disciplina, a perseverança, a organização, a engenhosidade e mais uma plêiade de inúmeros outros fatores positivos atestam o triunfo dos esforços direcionados a resgatar os mineiros, sem dúvida um feito histórico a ser celebrado pelos chilenos e imitado pelo resto do mundo.

Li no jornal Zero Hora de hoje que estima-se que pelo menos 1 bilhão de pessoas tenham acompanhado as transmissões dos trabalhos de resgate feitas pela mídia global a partir da Mina San José, diretamente da colinas desérticas de Copiapó. É o mesmo número de telespectadores que assistiu pela televisão e internet os jogos da Copa do Mundo de 2010.

Dentre tantas coisas, paralelamente à movimentação dos socorristas alguns detalhes me chamaram a atenção 

Anunciado que os mineiros sairiam da mina vendados para evitar a exposição repentina das retinas à luz depois de mais de dois meses na escuridão, a multinacional de ótica Oakley teve um insigth que certamente rendeu uma bela promoção a algum dos seus colaboradores. Doou um par de óculos top de linha a cada um dos mineiros para que com eles saíssem da mina e, já no segundo dia pós-resgate, com eles continuam em todas as aparições perante a imprensa. Ora, quanto será que vale o marketing de uma exposição gratuita da marca para 1 bilhão de pessoas, aliada à idéia de coragem e heroísmo dos mineiros chilenos???

(Em foto coletiva tirada em 14/10 com o Presidente Piñera os sobreviventes usavam óculos doados pela Oakley, uma grande ação de marketing da empresa. Foto: Jose Manuel de la Maza, AFP)
Diante do assédio da mídia de todo o mundo que se juntou no chamado Acampamento Esperanza, à boca da Mina San José, também não pude deixar de lembrar de um filme preto-e-branco que assisti ainda garoto e do qual nunca esqueci. Na época do seu lançamento o filme atingiu a mídia em cheio e incentivou a reflexão quanto à ética e a moral da imprensa, inclusive servindo ainda hoje como "case" de referência em muitos cursos de jornalismo.

Corte para Albuquerque, Novo México, Estados Unidos, 1951.

Em "A Montanha dos Sete Abutres" (Ace in the Hole, 1951) o então jovem Kirk Douglas fazia o papel do repórter sensacionalista e sem escrúpulos Charles Tatum (Kirk Douglas), despedido de 11 jornais, por 11 razões diversas. Entediado e sem motivação a grande oportunidade de sua carreira surge quando em uma viagem acaba descobrindo que Leo Minosa ficou preso em uma mina quando procurava por artefatos indígenas. A partir daí Tatum passa a destacar a notícia em detrimento da verdade e transforma o resgate de Leo em um assunto nacional, atraindo milhares de curiosos, cinegrafistas de noticiários, comentaristas de rádio e comerciantes que passam a ofereceu seus produtos e serviços à multidão que se aglomera. Em paralelo, pressiona Lorraine (Jan Sterling), a mulher de Leo, em meio a um casamento já falido, a se fazer passar por uma esposa arrasada em troca da oportunidade de ganhos financeiros na sua lanchonete. Para prolongar o circo e os seus momentos fama, o jornalista Tatum reduz deliberadamente a velocidade do resgate de Leo, o que por fim vem a trazer um trágico desfecho para a história.

Coletei livremente na internet algumas imagens dos trabalhos de resgate na Mina San José, assim como algumas cenas do filme. Vejam aí como ficou...

Será que a vida imita a arte?










É claro que não estamos diante de uma mesma situação no filme e no caso de Copiapó, mesmo porque, com as devidas as proporções e ressalvadas as melhores intenções e o indiscutível esforço humano para retirar com vida e saúde os 33 mineiros do fundo do deserto, as autoridades chilenas inclusive limitaram o acesso ao local e não permitiram a exploração econômica de bens e serviços nos arredores da Mina San José.

Pelo menos em relação aos órgãos de mídia que consultei para acompanhar este fato, sempre me pareceu respeitosa a postura da imprensa sobre o assunto. Todavia, por trás dos bastidores, os comentários dos jornalistas que lá estiveram não eram dos melhores em relação ao comportamento dos concorrentes também instalados no Acampamento Esperanza, onde todos ficaram concentrados junto aos familiares dos acidentados.

No que tange à cobertura da mídia a coincidência entre a realidade e as cenas fictícias de "A Montanha dos Sete Abutres", de 1951, é, todavia, deveras curiosa...


FICHA TÉCNICA:

A Montanha dos Sete Abutres

titulo original: (Ace in the Hole)
lançamento: 1951 (EUA)
direção: Billy Wilder
atores: Jan Sterling , Robert Arthur , Porter Hall , Frank Cady , Richard Benedict
duração: 111 min
gênero: Drama



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P.S.: Um dia após esta postagem o jornal Zero Hora publicou a matéria abaixo, justamente sobre a associação de marcas e o episódio dos mineiros. No texto o jornalista Rodrigo Müzel cita também a Oakley e a fábrica das brocas utilizadas pela máquina perfuratriz que escavou o túnel por onde foram retirados os mineiros das profundezas do Atacama. Coincidências...




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